Entrevista: Monitoramento de indicadores aponta caminhos para a agricultura familiar na produção de óleo de palma

Por Instituto Peabiru
Publicado em 07/02/2013

Entrevista

Dendê por Rafael Araujo

Produção de dendê no Pará recebe incentivos e envolve a agricultura familiar. Foto: Rafael Araújo

A produção de óleo de palma no Pará está recebendo crescente interesse e incentivos federais e estaduais. A expansão da monocultura oferece um novo desafio no cenário do agronegócio ao permitir estreito relacionamento entre grandes empresas produtoras e agricultores familiares.

Desde 2007, o Instituto Peabiru, em parceria com a Agropalma, desenvolve o Projeto Dendê,nos municípios de Mojú e Tailândia, com duas ações principais – Indicadores de Sustentabilidade, com a Agricultura Familiar; e o Plano de Desenvolvimento da Vila dos Palmares. São iniciativas que fortalecem a capacidades humanas dos atores locais e permitem monitorar e identificam riscos e oportunidades.

Em 2012 foi realizado o terceiro monitoramento a partir dos  Indicadores de Sustentabilidade, construídos com as comunidades envolvidas, o que permite ampla reflexão sobre a agricultura familiar e a palma. Uma das principais inovações do processo é que o monitoramento é feito pelos Pesquisadores Socioambientais – agricultores e filhos de agricultores, capacitados para este fim. Este trabalho voluntário utiliza o “Caderno de Indicadores,”. O objetivo é avaliar a qualidade de vida, o bem-estar social das famílias e o desenvolvimento local.

Neste mês de fevereiro, o web-site do Instituto Peabiru traz a engenheira agrônoma, Thiara Fernandes, Mestre em Agriculturas Familiares, gerente do Projeto Dendê, para falar mais sobre o projeto, e de como os resultados da pesquisa em campo com as comunidades pode ajudar a desmistificar questões relacionadas a produção do óleo de palma.  Trata-se, ainda, de subsídio para a reflexão sobre como as políticas públicas podem interferir na mitigação dos impactos ambientais e na melhoria da qualidade de vida das famílias.

– Como é feita a formação dos Pesquisadores Socioambientais do Projeto Dendê? Fale um pouco sobre a iniciativa.

Thiara Fernandes – Depois da construção dos Indicadores de Desenvolvimento, de forma participativa, junto aos agricultores familiares produtores de dendê, pensamos então que, como estratégia de aplicação da pesquisa, seria mais interessante envolver os jovens agricultores e filhos de agricultores, moradores locais. Iniciamos a formação desses jovens pesquisadores em um processo de pesquisa-ação participativa que, além de formar, é uma estratégia de desenvolvimento local através do empoderamento desses jovens. A primeira formação foi sobre a pesquisa, ou seja, o que é, como se faz, quais as ferramentas. Atualmente, estamos na terceira aplicação dos Indicadores de Sustentabilidade. Estamos no segundo ano de formação dos Pesquisadores Socioambientais e o resultado da pesquisa norteia os temas das formações. Os jovens são agentes multiplicadores de informação, e o desenvolvimento local acontece a partir da articulação desses jovens e da sociedade local, com instituições públicas e privadas, para alcançar os objetivos propostos, com base nas potencialidades e gargalos identificados na pesquisa.

– De que forma os jovens avaliam os Indicadores de Sustentabilidade e como eles foram construídos? Há um calendário de monitoramento?

Thiara Fernandes – Os indicadores foram construídos junto aos agricultores familiares produtores de dendê. Através de diagnóstico local e reuniões participativas, montamos uma lista de indicadores possíveis, divididos em três categorias: social, ambiental e econômico. A partir dessa primeira lista, os agricultores familiares identificaram quais os indicadores mais importantes para monitorar. Com os indicadores selecionados, foi feito o primeiro teste em campo. Nesse teste alguns indicadores foram incorporados, outros excluídos ou adaptados, e, então, com o resultado, construímos o “Caderno de Indicadores de Sustentabilidade”, ferramenta que orienta a aplicação dos indicadores.

– A partir do monitoramento, os pesquisadores socioambientais apontam melhorias na sustentabilidade da produção de dendê? Quais você percebe como mais relevantes?

Thiara Fernandes – Usamos os Indicadores de Sustentabilidade para identificar as potencialidades e gargalos para o desenvolvimento local, a produção de dendê é parte disso. Alguns indicadores apontam melhorias na produção de dendê, como por exemplo, o número de agricultores que devolve as embalagens de adubo e controle químico aumentou, evitando-se, assim, doenças por intoxicação. Além disso, esses agricultores estão mais conscientes quanto ao uso do EPI (Equipamentos de Proteção Individual) e o armazenamento dos produtos para controle.

O adubo químico, por exemplo, está cada vez mais em locais adequados e seguros para a saúde familiar. Essas melhorias foram possíveis porque, com o resultado do primeiro monitoramento, foram feitas palestras de formação e conscientização aos agricultores. Outros pontos positivos de melhoria é a maior participação da mulher na gestão do trabalho e gerência do recurso, entre outros.

– Quais indicadores contribuem para alertar e sugerir medidas de solução e mudanças?

Thiara Fernandes – Todos os indicadores estão relacionados ao bem-estar social e ao desenvolvimento sustentável local (social, ambiental e econômico), logo esse é o sentido da criação e aplicação dos indicadores, ou seja, identificar problemas e potencialidades. Uma das mudanças que estamos trabalhando, com o apoio do Ibama/Prevfogo, é a diversificação da produção nos quintais.

Identificamos que as mulheres pouco se envolviam ou gerenciavam as atividades produtivas do dendê e, além disso, que os agricultores estavam, paulatinamente, abandonando as roças de culturas anuais de subsistência, e se dedicando apenas ao plantio do dendê. Essa atitude contribui para o aumento do preço dos produtos de consumo (feijão, legumes, farinha etc.) antes produzidos pela grande maioria.

Para incentivar a produção agrícola e o envolvimento das mulheres em atividades economicamente produtivas, iniciamos a instalação de unidades demonstrativas de sistemas produtivos integrados, com base agroecológica, nos quintais – é o que chamamos de “Quintais Agroecológicos”.

Essas unidades demonstrativas ocupam um espaço pequeno e o retorno, tanto produtivo como econômico é significativo. O próximo passo é fomentar a rede de relações, que vem sendo criada, entre esses agricultores e agricultoras, nas diversas fases do processo produtivo. Além disso, colaborar para implantação de mais sistemas produtivos, beneficiando o maior número de famílias possível.

– Foram identificadas mudanças de atitudes com relação ao uso da água e o destino de embalagens de insumos agrícolas? 

Thiara Fernandes – Sim, como já respondi anteriormente, as atitudes mudam a partir da identificação do problema e envolvimento da sociedade local e das organizações de interesse, para a mudança de atitude da população.

Outra mudança, possível graças à articulação dos Pesquisadores Socioambientais, a associação de produtores local e instituições de interesse, é a coleta de lixo, hoje feita pela Prefeitura. O lixo era um problema. Não havia coleta, algumas famílias queimavam ou enterravam o lixo, enquanto outras jogavam-no no rio.

Esse é um exemplo que mostra que é difícil pensar em mudanças locais sem a presença do Estado, e sem o acesso a direitos básicos, como saúde e saneamento básico. As comunidades envolvidas no projeto, como a maioria das comunidades do estado do Pará, ou da Amazônia em geral, são desassistidas pelos órgãos competentes.

– Como os Indicadores de Sustentabilidade, construídos e monitorados com os pesquisadores, podem apoiar políticas públicas de melhoria do bem-estar dos agricultores familiares que trabalham com o óleo de palma? 

Thiara Fernandes – A partir da pesquisa sobre a realidade do produtor podemos identificar quais as necessidades e processos necessários para a produção sustentável da palma. A Agropalma foi a primeira empresa no Brasil a fazer parceria com a Agricultura Familiar. Sua experiência é válida para nortear outras empresas do setor. O Instituto Peabiru contribui há seis anos para o bom andamento desse processo. Atualmente, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente está construindo a normativa para o plantio de palma no estado do Pará. Esperamos contribuir com essa construção a partir da experiência e da pesquisa com os Indicadores de Sustentabilidade.

Sobre as políticas públicas, ainda precisamos amadurecer na reflexão sobre os resultados; mas entendo que, principalmente, para envolver o Agricultor Familiar na produção de qualquer monocultura, deve-se pensar, também, no incentivo para a diversificação produtiva em outras áreas, seja a roça ou o quintal. A roça para garantir grãos e farinha de mandioca para a subsistência, e o quintal, para as frutíferas e hortigranjeiros. Isto porque uma das principais características da Agricultura Familiar é a produção para o próprio consumo, além do uso da mão de obra familiar. Características essas que se perdem, paulatinamente, com o incentivo à monocultura e, no caso, a inserção da agricultura familiar em um mercado de commodity.

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