Produção de arroz no Marajó ignora problemas fundiários e ambientais
A reunião sobre a rizicultura, promovida pela Federação de Agricultura e Pecuária do Pará (FAEPA), Conselho do Agronegócio do Pará (Consagro) e pela Secretaria de Estado da Agricultura, na manhã de ontem, terça-feira, 29 , em Belém, destacou o potencial econômico da produção de arroz irrigado no Marajó, mas não discutiu as questões ambientais, fundiárias, sociais e de arqueologia que envolvem a atividade. O evento ocorre logo após o anúncio de audiência pública sobre o tema, marcada para o dia 22 de março pelo Ministério Público Federal (MPF) e Ministério Público Estadual do Pará (MP/Pa) no município de Cachoeira do Arari.
Tiveram voz no evento o presidente da Faepa, Carlos Xavier, o Secretário Especial de Produção do Estado do Pará, Sidney Rosa, o Secretário Estadual de Agricultura, Hildegardo Nunes, o Presidente da Associação dos Arrozeiros de Roraima, Genor Faccio, e os deputados federais Valdir Colatto, por Santa Catarina, e Paulo César Quartiero, por Roraima. Nenhum representante da sociedade civil marajoara, do Ministério Público, ou pesquisador da área socioambiental foi ouvido. Quartiero iniciou o cultivo de arroz em Cachoeira do Arari há três anos, depois de ser retirado pelo Supremo Tribunal Federal da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol em Roraima.
Os palestrantes assumiram um tom de defesa e acusaram o Ministério Público e a Diocese de Ponta de Pedras de “afirmações inverídicas”. De acordo com Hildegardo Nunes, questionar se a legislação ambiental está sendo seguida é “condenar o Marajó ao subdesenvolvimento”. Já o deputado Quartiero afirmou que “esta sociedade da biodiversidade, enquanto não matar nosso povo de fome não se vê satisfeito”.
O diretor do Instituto Peabiru, João Meirelles Filho, coordenador do Programa Viva Marajó, acompanhou o evento e afirma que há um grande equívoco por parte dos produtores. “Não se trata de impedir a produção de alimentos e sim garantir que os mecanismos legais para um grande empreendimento econômico sejam seguidos”, explica. Meirelles afirma que a proposta da FAEPA e do Governo do Estado, de plantar 300 mil hectares, afetará a vida de milhares de quilombolas, ribeirinhos e moradores do Marajó. Ele menciona a inexistência de Estudos de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) para expansão da monocultura no Marajó.
De acordo com Meirelles, o Marajó é a única área do Pará que não possui o Zoneamento Ecológico Econômico e mesmo sendo uma Área de Proteção Ambiental (APA), criada pela Constituição do Estado do Pará em 1989, até hoje não foi implementada. O coordenador do Programa Viva Marajó explica que sem o Plano de Manejo da APA não é possível discutir um projeto desta magnitude. “O Colegiado Territorial do Marajó, que acompanha o Território da Cidadania do Marajó, um programa federal e estadual, precisa debater a questão. Ninguém tocou nestes assuntos no evento e também não abriram para o debate”, declara.
Questão fundiária – Segundo o Instituto Peabiru, o ordenamento territorial é o primeiro passo para o desenvolvimento econômico da região. Porém, dos 10,4 milhões de hectares da Mesorregião do Marajó, falta regularizar 7 milhões, ou seja, 75% do total. A maior parte está na “Região de Campos”, onde os produtores rurais de arroz se instalaram. A avaliação só foi possível a partir do primeiro Mapa Fundiário do Marajó, um dos resultados dos três anos do Programa Viva Marajó, desenvolvido pela organização da sociedade civil.
O mapa, construído como instrumento de informação e análise, destaca a relação direta entre ordenamento territorial e investimentos federais e estaduais. Até então, os diferentes órgãos de terra e ambientais, nas esferas estadual e federal, possuíam cada qual a sua informação em separado. “Não havia uma visão geral da questão da terra no Marajó, agora temos, mas é preciso que o INCRA esclareça se estas são terras federais ou privadas”, destaca João Meirelles.
Programa Viva Marajó – Desde 2010, o Instituto Peabiru desenvolve o Programa Viva Marajó, um conjunto de ações em prol da melhoria da qualidade de vida dos 500 mil marajoaras que vivem em 16 municípios. As ações concentram-se no fortalecimento da representação da sociedade civil no Colegiado Territorial do Marajó; no ordenamento fundiário, especialmente áreas protegidas, territórios quilombolas e assentamentos agroextrativistas; no fomento a cadeias de valor inclusivas da farinha, mandioca e açaí; e na valorização da cultura marajoara, especialmente patrimônio arqueológico e imaterial.