Avanço do agronegócio ameaça direitos quilombolas na Amazônia

Por Instituto Peabiru
Publicado em 21/11/2013
Ruínas do que os moradores chama de senzala, na comunidade de PAE Santana, em Ponta de Pedras, no Marajó

Ruínas do que os moradores contam que foi uma senzala, na comunidade PAE Santana, em Ponta de Pedras, no Marajó

Entre os principais desafios das comunidades quilombolas na Amazônia, está o avanço de projetos de agronegócio. Segundo do diretor do Instituto Peabiru, a expansão do arroz, na Ilha do Marajó; da palma e da pecuária, no Nordeste Paraense; e o plantio de eucalipto, no Amapá e no Maranhão, não respeitam os direitos constitucionais de comunidades quilombolas nessas regiões. “Há pouca gente preocupada com a questão. É preciso demonstrar a situação destas comunidades, especialmente de mulheres e jovens. A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, é veementemente desrespeitada”, destaca Meirelles.

A ONG desenvolve projetos com comunidades quilombolas desde 2007. Tem acompanhado questões como o impacto da monocultura do arroz em Cachoeira do Arari, no Marajó, e trabalha no fortalecimento institucional do Conselho das Associações de Comunidades Afrodescendentes do Amapá (CCADA), e no desenvolvimento da cadeia de valor da produção de mel de abelhas nativas sem ferrão, a meliponicultura.

Na passagem do Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, o Instituto Peabiru faz uma reflexão sobre a situação das comunidades remanescentes de quilombos com as quais desenvolve projetos. O diretor da ONG, João Meirelles, recapitula esta trajetória em entrevista abaixo:

– Desde quando o Instituto Peabiru trabalha com comunidades quilombolas?

João Meirelles O primeiro trabalho foi em resposta a uma demanda dos quilombolas do Amapá, em 2007, para ampliar o projeto de criação de abelhas nativas, a meliponicultura. Esta iniciativa foi em parceria com o Royal Tropical Institute (KIT), da Holanda, e foi seguido de outras iniciativas para ampliar a meliponicultura na região. Desde então são sete anos de parceria, com muita dificuldade na mobilização de recursos e manutenção de um programa contínuo.

– Quais foram as principais experiências? A instituição tem resultados a destacar?

João Meirelles Nossas experiências são principalmente no Amapá, apoiando o fortalecimento institucional do CCADA e na cadeia de valor da meliponicultura. Gostaríamos de trabalhar com os grupos, como o quilombo África, em Mojú, mas ainda não conseguimos recursos para os projetos que elaboramos conjuntamente. No Marajó, questionamos, juntamente com os quilombolas, o avanço da monocultura do arroz, especialmente sobre o quilombo de Gurupá, em Cachoeira do Arari, e que também ameaça outras terras quilombolas em Salvaterra. Em agosto, o presidente da Associação de Remanescentes de Quilombo de Gurupá, Teodoro Lalor de Lima, que vinha denunciando a perseguição de fazendeiros à comunidade, foi assassinado e até hoje o crime não foi esclarecido.

– Como se desenvolve os projeto de ATER com quilombolas? As atividades já foram iniciadas? 

João Meirelles O recente trabalho de assistência técnica rural, a partir de edital público do INCRA, visa atender 800 famílias em assentamentos agroextrativistas de Cachoeira do Arari e Ponta de Pedras. As primeiras visitas a Santana, por exemplo, em Ponta de Pedras (foto), demonstram que há populações que certamente se enquadrariam nas políticas públicas para comunidades de remanescentes de afro descendentes. Importante lembrar que ser quilombola parte da auto-afirmação. Portanto, cabe às próprias comunidades manifestarem-se e fortalecer a sua identidade.
– Qual a abordagem desenvolvida pela instituição para realizar trabalhos com comunidades quilombolas?

João Meirelles A mesma abordagem que adotamos em todas as comunidades tradicionais – de pedir licença, aprender a ouvir, construir de forma participativa e coletiva, respeitando os diversos grupos e formações; enfim, elaborar em conjunto os trabalhos, onde nos vemos como facilitadores e colaboradores temporários. Esperamos que com as nossas contribuições possamos fortalecer as capacidades humanas locais e as organizações sociais coletivas e o resgate cultural e de direitos básicos além de promover a melhoria da qualidade de vida.
– Hoje, quais são os principais desafios enfrentados pelas comunidades remanescentes de quilombos nas áreas de atuação do Instituto Peabiru?

João Meirelles No Marajó, certamente o avanço do agronegócio, nesta região relacionada ao arroz e à pecuária, sobre terras públicas. Nem os direitos constitucionais de quilombolas estão sendo respeitados. No Nordeste Paraense, em geral, a questão é similar e relaciona-se à expansão da palma e também da pecuária. É preciso lembrar que a pecuária é o motor de destruição da Amazônia. No Amapá, a ameaça do avanço da soja e do eucalipto é muito séria. Comunidades quilombolas foram invadidas por plantios de eucalipto e pouco receberam com esta situação. Há pouca gente preocupada com a questão, mesmo no meio público. É preciso demonstrar a violação dos direitos destas comunidades, e que afetam principalmente mulheres e jovens. A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, é veementemente desrespeitada.

– Ainda há muitas dificuldades de reconhecimento legal de terras para essas comunidades na região? E no Marajó, onde algumas comunidades estão sofrendo influência da expansão do arroz?

João Meirelles Com absoluta certeza. No caso do quilombo de Gurupá, o INCRA, com todo o empenho da equipe, que foi alto, demorou mais de 5 anos para emitir o RTID, o documento que define o limite da terra e os direitos quilombolas. E daí para a demarcação e o registro em cartório ainda podem demorar muitos anos. E esta é apenas uma das 17 terras quilombolas do Marajó, a maioria ameaçadas pela expansão do agronegócio em Salvaterra e Cachoeira do Arari.

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