Pesquisa inédita tenta comprovar em dados os riscos da coleta do açaí

Por Instituto Peabiru
Publicado em 26/11/2015
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Pesquisa realizada pelo Instituto Peabiru busca apresentar, em dados, os riscos a que o peconheiro está exposto. (foto: Tiago Chaves/Instituto Peabiru)

Na capital paraense, Belém, a alta do preço do açaí preocupa os consumidores finais do fruto. Levantamento divulgado pelo DIEESE-PA aponta um aumento de 20% do litro em 2015, com custo médio de R$17,05 do suco tipo médio (no Pará, o açaí é vendido na forma líquida com densidades diferentes – popular, médio e grosso). No interior do Estado, nas zonas de extrativismo, no entanto, a preocupação é outra: os riscos a que o peconheiro (nome dado àqueles que sobem no açaizeiro com o uso da “peconha”), está submetido e aos acidentes que não são registrados no sistema de saúde e junto às entidades que lidam com a segurança do trabalhador rural.

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Na mão esquerda do ribeirinho a “peconha”, único acessório utilizado na colheita do açaí. Foto: Tiago Chaves/Instituto Peabiru

Não é necessário grande esforço de imaginação para entender os múltiplos riscos daqueles que sobem em finas palmeiras até 20 metros de altura, com facões sem bainha na costa, sem vestimentas adequadas e com o uso de um único acessório para a escalada, a peconha. Quedas de árvores, picadas de animais venenosos e peçonhentos, riscos de lesões no corpo, são apenas alguns dos exemplos de acidentes mais comuns na colheita do açaí.

O Sr. João Vitório, morador do Rio Araçacá, um dos afluentes do Rio Canaticu, em Curralinho (Marajó-PA), ficou 10 anos sem poder trabalhar. Após uma queda do açaizeiro, ele relata que foi preciso muito esforço para sobreviver. Até hoje luta para suportar as sequelas do acidente, que jamais foi reconhecido pelo INSS. “Sofremos um pouco durante muito tempo. Agora eu já consigo trabalhar um pouco na roça, mas não consigo mais subir pra colher o açaí. O que faço é trabalhar em sociedade. Tenho minha terra, então na época chamo alguém pra colher na meia (dividi-se a produção entre o dono do açaizal e um peconheiro eventual)”, conta Seu João.

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O ribeirinho João Vitório (sem camisa) ficou 10 anos sem poder trabalhar, após cair do açaizeiro. Foto: Tiago Chaves/Instituto Peabiru

Não há registro formal destes riscos. Se existem, as publicações e estudos a respeito são tão raras que não estão nas universidades, bibliotecas ou nos relatórios dos órgãos reguladores e sindicatos que atuam junto ao trabalhador rural. Esta ausência de informações documentadas implica em uma série de dificuldades a que este trabalhador enfrenta. Isto afeta, por exemplo, na busca de indenizações decorrentes de acidentes graves.

Como parte do esforço em dar visibilidade à realidade do peconheiro, o Instituto Peabiru, com o financiamento do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (TRT8), e parceria da Fundacentro, realizou no município de Curralinho oficinas de diagnóstico participativo com representantes dos extrativistas, das secretarias municipais de saúde e educação, do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, Colônia de Pescadores Z-37 e a ONG Lupa Marajó. Além disso, aplicou um questionário junto a 72 ribeirinhos do Rio Canaticu, no município de Curralinho (Marajó-PA). O levantamento aborda questões sobre a realidade deste trabalhador, como: quais as ferramentas utilizadas, as áreas de colheita, as formas de transporte e os acidentes mais comuns relatados e sofridos pelos extrativistas.

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Maior demanda pelo açaí se reflete no aumento dos riscos no extrativismo do fruto. Foto: Tiago Chaves/Instituto Peabiru

“Há uma romantização sobre o peconheiro. De fato, a tradição repassada por gerações é algo a ser mantido. No entanto, o aumento da demanda regional, nacional e internacional pelo açaí, fez crescer ainda mais os riscos aos extrativistas. Se antes o açaí era para o consumo familiar e era comercializado apenas localmente, agora o peconheiro tem uma meta de produção. Isso se reflete na maior quantidade de horas trabalhadas, são mais rasas (cesto de palha utilizado como medida para a comercialização do açaí) a completar e, até mesmo, há maior envolvimento da família na atividade, prejudicando, inclusive, a educação dos jovens. Aliás, estamos falando de um universo de mais de 200 mil trabalhadores rurais!”, alerta João Meirelles Filho, diretor geral do Instituto Peabiru.

A amostra da pesquisa segue um padrão estatístico perante a realidade homogênea de grupo. “O Médio Rio Canaticu, zona com maior densidade populacional do Rio, possui mais de 1.000 famílias. São moradores que já praticam o manejo do açaí. Então, traçamos, em cada uma das 21 comunidades e congregações um número estimado de famílias – segundo levantamentos do Projeto Marajó Viva Pesca, do Instituto Peabiru e, a partir de fórmulas estatísticas passamos à definição da amostra”, relata Manoel Potiguar, gerente de projetos do Instituto Peabiru que está a frente da iniciativa.

Espera-se, após a tabulação dos dados, obter-se uma melhor compreensão da extração do açaí. “Na verdade, quem vive o dia a dia do ribeirinho, já sabe o que eles enfrentam. Mas, se queremos que esta atividade seja reconhecida e regulamentada, com o objetivo de garantir a este trabalhador direitos civis básicos, como assistência médica, indenizações por invalidez após sofrer um grave acidente, aposentadoria e benefícios, é preciso mostrar tudo isso em dados, em um estudo com uma base metodológica comprovada”, explica Manoel.

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A Fundacentro também é parceira da iniciativa. Na foto, em pé, Clóvis Meirelles, da Fundacentro, em oficina no município de Curralinho (PA). Foto: Tiago Chaves/Instituto Peabiru

A Fundacentro, pela sua competência na área da Segurança e Saúde no Trabalho e Meio Ambiente, fundamental para orientar os órgãos públicos dedicados ao setor e o poder judiciário, tem grande importância neste processo. “É preciso incorporar este tema na elaboração e gestão de políticas. O açaí está em moda e não é uma moda que deve passar. É preciso fazer com que esta cultura gere desenvolvimento sustentável com crescimento econômico, promoção da equidade social e proteção do meio ambiente, e aqui incluímos o trabalhador”, comenta Clóvis Meirelles, agrônomo e coordenador do Serviço de Apoio às Atividades Rurais da Fundacentro.

A pesquisa também levanta uma importante questão: o preço do açaí, afinal, está caro para o consumidor final ou para o extrativista?

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