Entrevista: Meliponicultura e a revolução das Abelhas Sem Ferrão da Amazônia

Por Instituto Peabiru
Publicado em 15/07/2013
A caixa de abelhas nativas pode ser aberta com as mãos desprotegidas, sem risco de picada. Foto: Rafael Araújo

A caixa de abelhas nativas pode ser aberta com as mãos desprotegidas, sem risco de picada (Foto: Rafael Araújo)

O pesquisador Fernando Oliveira, um dos principais estudiosos das abelhas sem ferrão no Brasil, e sobretudo na Amazônia, fala em entrevista ao site do Instituto Peabiru, sobre os avanços e desafios da meliponicultura, atividade que gera renda às comunidades tradicionais da Amazônia e garante uma série de serviços ambientais, da polinização à fixação de carbono.

O estudioso pesquisa as abelhas sem ferrão desde 1995 e se dedica há quase 20 anos ao desenvolvimento de tecnologias para a atividade, criando em 2000 o modelo de caixa de colmeia que transformou a produção de mel de abelhas nativas sem ferrão na Amazônia.

Oliveira é consultor do Instituto Peabiru, que desenvolve o programa Abelhas Sem Ferrão. A ONG trabalha há cinco anos com cerca de 350 famílias entre comunidades tradicionais – quilombolas do Amapá, índios do Oiapoque, ribeirinhos do Marajó e agricultores familiares de Curuçá – para avançar na estruturação de um programa de meliponicultura.

Acompanhe abaixo a entrevista concedida por e-mail.

1. Quais são os principais avanços da meliponicultura hoje no Brasil? As abelhas sem ferrão se tornaram mais conhecidas, mais cultivadas? Qual a sua avaliação? 

Fernando Oliveira – Bem, antes é bom lembrar que o manejo das abelhas de ferrão datam a época de Cristo. Já as nossas abelhas indígenas sem ferrão começaram a ser estudadas na década de 60, ou seja, em apenas 55 anos de meliponicultura já sabemos como manejar, reproduzir, manter colônias e colher mel de abelhas nativas. Isso é um grande avanço se comparados aos 2.000 anos para aprender a manejar as temidas Apis melifera sp., abelhas que ferroam e matam.

Foi a partir do ano 2000 que a meliponicultura saiu dos laboratórios dos grandes centros de estudos para os quintais das famílias tradicionais da Amazônia, ou seja, 13 anos atrás pouquíssimas pessoas conheciam as abelhas sem ferrão e tão pouco o maravilhoso mel. Não temos números exatos, mas penso que um mínimo de 3.000 famílias tem abelhas nativas sendo manejadas nos seus quintais com alguma tecnologia e arrisco a pensar em 20.000 o número de colônias, o que é extraordinário. Saímos de zero para 50.000 quilos de mel em apenas 13 anos. A internet tem grande participação nesta difusão do conhecimento sobre a meliponicultura, pelos fartos materiais encontrados atualmente na rede.

2. Quais são as principais dificuldades encontradas pelos produtores de mel nativo no desenvolvimento da meliponicultura hoje?

Fernando Oliveira – Nos próximos anos a meliponicultura deve ter a sua consolidação a partir das repetições de produção e comercialização do mel. Isso certamente irá garantir um melhor engajamento das famílias meliponicultoras. Esforços institucionais estão sendo disponibilizados para viabilizar e superar a logística continental da Amazônia. Neste caso, trato das distâncias e isolamento dos produtores que continuam dependendo de apoio. Este é o Custo da Sustentabilidade Amazônica, que eu entendo como justo, e vem garantindo o avanço da Meliponicultura.

3. Quais as principais vantagens da meliponicultura frente a apicultura? Por que as pessoas ainda confundem os duas culturas?

Fernando Oliveira – Não culpo o brasileiro por não conhecer as abelhas sem ferrão. Até porque o meu primeiro contato com as abelhas sem ferrão foi aos 30 anos de idade quando eu chegai na Amazônia. Posso até pensar que se não fosse a Amazônia na minha vida, pouco provável que eu pegaria uma abelha na mão. Isso porque abelhas, para as pessoas que não vivem na floresta, abelhas são aquelas que ferroam. Até hoje me perguntam por que incentivamos criar abelhas sem ferrão, já que as nossas abelhas produzem poucos quilos de mel e por que não incentivamos criar as abelhas assassinas que produzem um montão de mel. Fácil responder: é que estamos na Amazônia e não na África e não queremos ver nossas crianças e amigos correndo perigo de vida. Além do que, o nosso mel é bem mais especial, com aroma, fluidez, sabor e coloração, características fundamentais de valorização do nosso mel. Produzimos menos, mas valorizamos mais. É só clicar na rede e vê que o mel comum custa U$$ 2,50 e o mel de meliponíneos, as abelhas sem ferrão, custa em média R$ 60,00.

Outro ponto muito favorável para criar abelhas sem ferrão é que o custo de instalações. É extremamente mais barato e a tecnologia de manejo é muito simples. Então, é fácil e barato criar dezenas de colmeias de meliponíneos bem pertinho de casa, sem nenhum perigo.

4. Como foi desenvolvida a caixa de produção de mel nativo que tem o seu nome? Por que ela é a mais apropriada para as abelhas nativas da Amazônia?

Fernando Oliveira – Em 1999 a maneira de reproduzir uma colônia era enfiar a mão e pegar um pedaço do ninho e colocar em uma nova caixa. Eu até que gostava de colocar a mão nos bichos, mas tinha que ter muita disciplina para tudo dar certo no final. Muitos modelos de colmeias foram criados até hoje, eu usei o meu tempo pensando em como uma família ribeirinha poderia manejar e reproduzir uma colônia de meliponíneos. Foi aí que idealizei uma colmeia dividida em módulos, que separavam os elementos de uma colônia. O ninho ocupa 2 partes que se separam, dividindo o ninho ao meio quando separamos os módulos. A vantagem é que além de não mais precisar pegar o ninho com a mão e dividir ao meio, os ninhos nos módulos são estruturados na sua plenitude, com potes de mel e abelhas jovens e adultas, garantindo o sucesso reprodutivo da colônia. Penso que foi aí que a meliponicultura deu o grande salto.

5. Como a meliponicultura pode se tornar uma importante ferramenta de conservação e serviços ambientais nas mãos das comunidades tradicionais da Amazônia?

Fernando Oliveira – A meliponicultura foi concebida pensando em geração de trabalho e renda, ou seja, produzir mel. Assim foi feito nos primeiros anos, mas era inevitável que a conservação das florestas estava diretamente ligada ao fato de muitas famílias do interior estarem manejando estas abelhas em maiores quantidades. Era a ressurgimento dos principais insetos polinizadores que há décadas estavam sendo caçados para a retirada do mel. Warvick Kerr, um pesquisador de abelhas sem ferrão, me contou que ao redor das comunidades do interior da Amazônia os índices de ninhos de meliponíneos chegam a zero, de tanto que o caboclo gosta de mel, ou seja, as colônias encontradas eram destruídas só para colher o mel. Além da importância da polinização que chega a 90% na Amazônia, a meliponicultura ganha ares de futuro, relacionado ao aquecimento global e retenção de carbono. O meu amigo biólogo e pesquisador Richardson Frazão, do Instituto Peabiru, estimou o tamanho da área de influência conservada com o manejo das abelhas sem ferrão. Ele considera que com um conjunto de 30 famílias manejando 83 colmeias cada, pelo menos 1.600 hectares de florestas são conservadas, assegurando que 160.000 toneladas de carbono deixam de ser liberadas na atmosfera. Desta forma, cada colmeia apóia na fixação de 40 kg de carbono, além de cada quilo de mel fixar 16 kg de carbono.

Eu poderia continuar enunciando todos os benefícios que as abelhas representam, mas penso que o físico Albert Einstein, na primeira metade do século XX, pode explicar bem melhor do que eu, assim: “Se as abelhas desaparecerem da superfície do planeta, então ao homem restariam apenas quatro anos de vida. Com o fim das abelhas, acaba a polinização, acabam as plantas, acabam os animais, acaba o homem.”

 6. Como você vê o papel do Instituto Peabiru e outras ONGs neste processo?

Fernando Oliveira – Atualmente grandes instituições estão trabalhando com meliponicultura e vejo o Instituto Peabiru com uma linha de trabalho bem interessante, juntando um modelo participativo com as famílias meliponicultoras, com foco não só na geração de renda mas valorizando os serviços ambientais, o respeito a biodiversidade. Valorizando não só as espécies locais, mas, avançando em temas como linhagens das espécies e a vanguarda na relação da Meliponicultura com a fixação de carbono, atuando pragmaticamente na melhoria da qualidade de vida de Gaia.

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