Amazônia, o que fazer?

Por Instituto Peabiru
Publicado em 30/04/2018

[Artigo de autoria de João Meirelles Filho*, originalmente publicado na Revista Página 22 – clique aqui para acessar o original]

Nenhum dos quatro pilares que tornam a Amazônia única é respeitado. Trata-se do maior desmatamento da História da humanidade – 50 milhões de hectares em 50 anos

Será que não temos enorme vergonha de entregar a Amazônia às próximas gerações na situação atual de caos em que se encontra? Gostaria de compartilhar a reflexão que me inquieta há três décadas. Há alguns dias reli o breve livro que escrevi em 1986 – Amazônia, o que fazer? (Companhia Editora Nacional, São Paulo) e observei, atônito, que nenhum dos quatro pilares que tornam a Amazônia única à Humanidade é respeitado. Na minha visão considerava a Amazônia fonte de matérias-primas (alimentares, medicinais, florestais etc.), fundamental ao equilíbrio ecológico planetário, espaço vital de civilizações indígenas e uma das últimas regiões naturais do planeta.

Naquele momento, o desmatamento representava cerca de 8% da região (36,5 milhões de hectares), a pecuária era o carro-chefe, com cerca de 20 milhões de cabeças (menos de 20% do rebanho brasileiro na época), a presença da soja era insignificante, a grande mineração há pouco tempo iniciara em Carajás, havia apenas Tucuruí e duas pequenas unidades e a população era de 12 milhões de habitantes (1980). Havíamos saído de longo período de ditadura militar, as queimadas eram um problema apenas local; ainda não se empregava conceitos como sustentabilidade, mudança climática, serviços ambientais; e o brasileiro desconhecia a Amazônia, inclusive o fato de que metade dela estava sob guarda de oito países vizinhos.

Em apenas três décadas, o desmatamento quase triplicou, alcançando cerca de 20% (80 milhões de ha), equivalente à Região Sul e o estado de São Paulo juntos. Seguimos, há 400 anos, na ditadura da pata do boi, com o rebanho da Amazônia próximo de 100 milhões de cabeças (45% do total). A soja expande e alcança 5 milhões de ha (maior que Alagoas e Sergipe somados); o Pará se tornou potência mundial em mineração; grandes hidrelétricas surgiram no Madeira, Xingu e dezenas de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH) em diversas bacias (projetam-se mais de 300 unidades).

A maior parte da madeira é desperdiçada e raramente valorizada, nem mesmo pela população local. Casa de madeira é casa de pobre. A população cresceu 2,5 vezes, aproxima-se dos 30 milhões e se tornou essencialmente urbana (acima de 80%). Manaus concentra mais da metade da população do maior estado, o Amazonas. Em 30 anos, as capitais da Amazônia competem entre as mais violentas cidades do mundo. De uma região que pouco vendia ao Brasil e ao exterior, tornou-se um player global, ainda que a preços risíveis e alto impacto socioambiental, de madeira, carne bovina, energia elétrica ao Brasil e, de soja e minérios ao exterior.

O desmatamento prossegue, ainda que mais lento, é apenas uma questão de mais tempo. Trata-se do maior desmatamento da História da humanidade – 50 milhões de hectares em 50 anos. E o fogo anualmente devasta o que a motosserra não resolveu.

Será que compreendemos efetivamente por que desmatamos a Amazônia? Por que optamos por uma Amazônia extrativista – provedora de produtos primários ou pouco processados? Até mesmo o açaí, o mais recente produto, apresenta baixa incorporação de valor, funda-se em uma cadeia altamente informal, onde reina o trabalho precário a mais de 100 mil coletores e grassa fortemente o trabalho infanto-juvenil.

Ao mesmo tempo, segue profunda a exclusão de povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais, com desrespeito sistemático a suas culturas, direitos e territórios. Mesmo diante da maior biodiversidade do planeta, vemos as violações diárias das Unidades de Conservação, o desmonte de instituições científicas, e as raras organizações da sociedade civil em grande dificuldade de serem ouvidas. Os indicadores sociais são sofríveis (tenho vergonha de apresentá-los). As cidades da Amazônia estão entre os piores lugares para uma mulher viver no Brasil: Marabá, 1a no levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea, 2017); Ananindeua, 2a no Mapa da Violência (2015); Paragominas, 1a no Mapa da Violência (2012). Infindável a lista de violações – e dramática.

Todos esses dados nos levam a concluir: nós, brasileiros, amazônidas ou não, somos irresponsáveis perante a Amazônia e seus habitantes. A pergunta é: como sair deste redemoinho que nos inviabilizará e nos extinguirá?

As soluções minimamente honestas

Continuo confiante de que o diferencial da Amazônia é o mesmo apresentado no início deste artigo. Vivendo há 14 anos na região, aprendi que as pessoas vêm primeiro e, especialmente, quem tem direitos originais (povos indígenas), constitucionais (quilombolas) e os povos e comunidades tradicionais (que têm política pública própria) – juntos, somam mais de 5 milhões de pessoas. Raramente ouvimos as mulheres, os jovens e as crianças desses grupos. O que pensam sobre a região?

A Amazônia é fundamental para a distribuição de água no Centro-Sul do Brasil, suas cidades e agricultura, além de essencial ao equilíbrio climático planetário. A partir da ciência e do conhecimento tradicional associado à biodiversidade abre-se um universo de oportunidades para a biotecnologia. Há, ainda, o potencial turístico, a oportunidade de cobrar por serviços ambientais e outros ativos que só a Amazônia possui.

Retorno à pergunta inicial – Amazônia, o que fazer? A discussão é urgente. Não temos um plano de longo prazo para a região (e, alguma vez tivemos?), apenas apagamos incêndios. Com isso, proponho uma questão anterior: afinal, a Amazônia é importante para nós, brasileiros?

*Escritor, com nove livros publicados sobre a região amazônica. Ativista socioambiental, dirige o Instituto Peabiru, organização sem fins lucrativos que em 2018 completa 20 anos

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Foto: Jean Dallazem/Flickr Creative Commons. Publicada no original, Revista Página 22

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