Em segunda fase, projeto Luz para uma vida melhor amplia opções de acesso à energia solar nas ilhas de Cotijuba (PA)
Projeto de mitigação da exclusão energética que leva energia limpa e renovável para comunidades ribeirinhas na região das ilhas de Belém desde 2018 agora oferece kits especiais para o abastecimento de televisores
Cerca de 1 milhão de famílias ainda vivem sem acesso regular à energia elétrica no Brasil. Grande parte dessas famílias vive em comunidades isoladas na região amazônica, obtendo energia elétrica através do uso de geradores alimentados por gasolina e óleo diesel. Visando contribuir para a transformação dessa realidade, o Instituto para o Desenvolvimento de Energias Alternativas e da Auto Sustentabilidade – IDEAAS e o Instituto Peabiru realizam desde 2017 o projeto Luz para uma vida melhor. Apoiada pela Fundação C.S. Mott a iniciativa se dedica a atender grupos sociais de baixa renda e alto grau de exclusão energética. Sob coordenação técnica do IDEAAS e coordenação local do Peabiru, as ações do Luz para uma vida melhor no estado do Pará promovem o acesso à energia solar a comunidades ribeirinhas a partir do desenvolvimento de um modelo de negócio social que leva serviços de iluminação e comunicação para a região das ilhas de Belém.
O custo da energia e a qualidade de vida nas comunidades ribeirinhas
Dona Maria Baia nasceu e cresceu às margens do rio Jamaci, comunidade ribeirinha onde vivem 20 famílias, localizada a 21km da cidade de Belém (PA), entre Icoaraci e a Ilha de Cotijuba. Viúva de pescador, Maria trabalhou desde muito cedo com os pais, na pesca e no extrativismo. A aposentada de 67 anos é uma das mais antigas moradoras da comunidade, onde o uso de combustíveis derivados do petróleo era comum para atividades cotidianas, como acender as luzes das casas, carregar celulares e assistir TV. A gasolina e o óleo diesel, principais combustíveis utilizado pelas famílias do rio Jamaci, e em muitas comunidades na Amazônia rural, são fontes de energia não-renováveis, poluentes e caras. Além do custo do deslocamento para a compra do óleo diesel, 1 litro do produto chega a custar R$7, quantidade suficiente apenas para o abastecimento diário dos motores dos barcos. Por dia, uma unidade familiar chega a consumir 2 litros de óleo nos motores geradores de energia. O óleo destinado aos geradores fornece energia para lâmpadas, televisores, máquinas de bater açaí e até para as serradeiras utilizadas na carpintaria. Somando tudo, os gastos com energia chegam a consumir em média 25% da renda familiar.
Em contraste com os combustíveis poluentes e de difícil acesso para as famílias ribeirinhas, o Sol figura como fonte de energia limpa e renovável, abundante na região. O reconhecimento desse potencial natural está na base do desenvolvimento dos Kits Bakana Solar. O IDEAAS é o responsável pela tecnologia de alta eficiência, fruto de mais de 10 anos de pesquisa e desenvolvimento. 100% brasileira a tecnologia dos kits gera surpresa no primeiro contato pela engenhosa solução que oferece. O kit é composto por placas fotovoltaicas e baterias, e é projetado para atender às demandas básicas de abastecimento energético de residências, como carregamento de celulares, funcionamento de lâmpadas LED e de televisão de 14 polegadas.
O projeto Luz para uma Vida Melhor iniciou com a instalação de sistemas autônomos de serviços energéticos para 22 residências e um centro religioso na Comunidade Nossa Senhora da Conceição, Ilha de Paquetá, Belém. O Instituto Peabiru deu suporte à definição do local de instalação a partir de pesquisa realizada pelo Instituto em 2014, por recomendação do Movimento das Mulheres das Ilhas de Belém (MMIB), apontando a vulnerabilidade das famílias na localidade em termos de insegurança energética. As famílias encontravam dificuldades para realizar atividades simples devido à falta de recursos financeiros para compra de combustível. Entre as maiores dificuldades estavam o tempo limitado para realização das atividades domésticas e o uso de lamparinas, que além dos custos libera fumaça no interior das residências. A solução de abastecimento por energia solar, apesar de parecer simples tem grande efeito na qualidade de vida das famílias. Todas as famílias da localidade substituíram as lamparinas pelas lâmpadas de LED do kit. Com as lâmpadas de baixa voltagem, que permanecem acesas durante a noite, foi possível afastar os morcegos, reduzindo os ataques aos moradores. Uma mudança significativa para as famílias da comunidade, onde a maioria relata já ter sofrido com este tipo de ataque, comum nas regiões ribeirinhas.
Desde a instalação dos primeiros kits de iluminação à base de energia solar, os gastos com óleo que somavam até R$20,00 por dia foram convertidos em economias para as famílias do Rio Jamaci. Dona Maria, cujo gerador alimentado por óleo diesel atendia à demanda de 4 casas na comunidade, se orgulha de já não depender do combustível. É ela quem relata a luta da comunidade, que há muitos anos reivindica a instalação das linhas de energia elétrica, mas que nunca teve esse direito garantido. “Foram muitos anos tentando, mas nunca olharam para nós, agora graças ao projeto o pessoal fala que só o Jamaci já tem energia. Agora os moradores de outras comunidades, veem, acreditam e também querem”, comenta. Atualmente, podem ser vistos ao longo do rio Jamaci painéis solares nos telhados das casas abastecidas com energia limpa, renovável e de baixo custo.
Modelo de negócio social
O projeto Luz para uma vida melhor implementa um modelo de negócio sustentável financeiramente, que garante desde a instalação dos kits de energia solar, até serviços de manutenção e reposição de peças, para atender as necessidades dos moradores locais de forma acessível e continuada, incluindo os moradores da comunidade não apenas como usuários, mas como prestadores de serviços, gerando capital local. A aquisição dos kits é feita por meio de taxa de adesão ao programa e levando em consideração a realidade econômica da comunidade para definir as formas de pagamento. Na comunidade de N. Sra. da Conceição, cada morador é o financiador do próprio kit e parte do valor arrecadado é investido na produção de novos kits, garantindo o funcionamento do sistema a longo prazo. O programa também estimula as comunidades a organizarem um fundo comunitário com pagamento de taxas mensais para manutenção, reposição de peças ou a troca das baterias após os 2 anos de uso.
No momento da instalação os técnicos do projeto apresentam todas as informações referentes ao funcionamento e à manutenção do kit. Além das informações os moradores também recebem o Termo de Adesão onde ficam registrados todos os dados do kit adquirido. Os próximos passos envolvem ampliar a adesão do Bakana solar TV a outros moradores do rio Jamaci e a outras comunidades, além da criação de uma franquia social de energia solar na comunidade para venda de equipamentos (lâmpadas, fusíveis, cabos e outros itens) na própria comunidade.
Bakana solar TV
Em 2019 uma nova modalidade do Kit de energia solar foi apresentada em atendimento à demanda das famílias do Rio Jamaci: o kit Bakana Solar Televisão. Com uma bateria adaptada, o Bakana Solar TV é o modelo projetado especialmente para prover o abastecimento de aparelhos televisores que compõem o kit junto com as baterias e as placas. Dona Maria conheceu o novo Bakana Solar TV em uma apresentação realizada na comunidade pela equipe do projeto. Usuária do kit Bakana Solar Iluminação desde 2017, logo se interessou pela proposta “Vi as condições na apresentação e achei vantagem para o meu bolso”, diz ela. Além do kit de Dona Maria, outras duas residências aderiram ao programa, recebendo o kit com bateria e televisão já inclusos. As três famílias que foram as primeiras a aderir ao novo modelo Bakana Solar ganharam de brinde uma antena de TV.
Enquanto o motor a diesel é geralmente ligado somente à noite, os kits solares permitem que a energia abasteça as casas ao longo do dia. Mesmo em tempo de chuva, a energia armazenada pela bateria garante o abastecimento aos usuários durante todo o dia. A TV, que era antes um recurso disponível somente entre 18h e 22h, com o abastecimento via energia solar agora poderá ser utilizada em outros períodos do dia pelas famílias. Coisas simples para a população urbana que tem o direito à energia elétrica garantido, mas que significam uma mudança na qualidade de vida das populações ribeirinhas por toda a Amazônia. Para essas famílias, assim como para Dona Maria, que assistiu pela primeira vez a TV à luz do dia reunindo os familiares em sua sala, o acesso à energia de forma sustentável, mais do que um item de consumo, se traduz como um passo importante na construção da autonomia e da cidadania no meio rural.
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