Criação de abelhas sem ferrão: geração de renda local a partir da conservação e recuperação de ambientes naturais
Detalhe de colmeia de Uruçú Amarela (Melípona flavolineata), Curuçá, PA.
Foto: Rafael Araújo.
Nos últimos anos as vantagens e benefícios da criação de abelhas sem ferrão se popularizaram no Brasil. No início dos anos 2000, uma simples pesquisa sobre meliponicultura em plataformas de busca na internet mostraria apenas pesquisas acadêmicas sobre o assunto.
Hoje, a descoberta das melíponas, abelhas sem ferrão que não machucam e que produzem um mel de sabor e qualidade diferentes da comum apicultura (da abelha do gênero Apis), atrai o mercado brasileiro e conquista mais criadores em todo o país.
Há uma década o Instituto Peabiru faz parte desse avanço nos aprendizados e conhecimentos do manejo racional das abelhas sem ferrão na Amazônia, junto a pequenos agricultores e povos de comunidades tradicionais, quilombolas e indígenas.
Os resultados desse trabalho se ampliam e formam, pela primeira vez, uma cadeia comercial, legalizada e regulamentada, do mel de abelhas sem ferrão da Amazônia.
O Instituto Peabiru atua na multiplicação das experiências de criação de abelhas sem ferrão, com diferentes parceiros e financiadores que acreditam na meliponicultura como alternativa de renda complementar para comunidades tradicionais da Amazônia, aliada a segurança alimentar, recuperação e conservação da biodiversidade local e fortalecimento da diversidade cultural de cada grupo.
Com o apoio do Fundo Amazônia (BNDES), por meio do projeto Néctar da Amazônia, os resultados desse trabalho se ampliam e formam, pela primeira vez, uma cadeia comercial, legalizada e regulamentada, do mel de abelhas sem ferrão da Amazônia. O mel da conservação da sociobiodiversidade começa a ir dos quintais, pomares e açaizais da agricultura familiar, para as prateleiras do consumidor.
Apicultura e Meliponicultura
O conhecimento de abelhas sempre veio ligado à doçura do mel e aos riscos e dores de uma picada. Uma ferroada de abelha pode ser fatal. Não é o caso das melíponas, abelhas nativas que produzem um mel especial e que, ao contrário das Apis (abelhas estrangeiras, ou exóticas), não ferroam. As abelhas sem ferrão produzem um delicioso mel, apreciado pelos povos originais há milênios, usado na medicina tradicional e recém descoberto por chefs de alta gastronomia. Muitos afirmam ser o mel mais delicioso do mundo.
Um trabalho de abelhinhas
Os primeiros passos do Instituto Peabiru na atividade da meliponicultura partiram, em 2007, com a capacitação no manejo simplificado das abelhas sem ferrão para comunidades tradicionais da Amazônia que, em sua maioria, vivem em situação de exclusão social e isolamento.
Comunidades quilombolas de Macapá, no Amapá, foram as primeiras a participar de projetos de capacitação e organização comunitária. As ações foram ampliadas para quatro grupos indígenas do Oiapoque, ainda no Amapá, pequenos agricultores de Curuçá, no Nordeste do Pará, e, chegaram aos ribeirinhos e agricultores familiares dos municípios de Monte Alegre e Almeirim, no Baixo Amazonas, também no Pará.
Hoje, ampliam-se os territórios, alcançando Curralinho, na Ilha do Marajó, e em breve as ilhas de Belém, no Pará. O projeto já conta com mais de 5 mil colmeias ativas em 25 comunidades, que em poucos anos podem se transformar em 20 mil colmeias.
“As abelhas são como um planta que a gente cuida. De manhã eu venho, converso com elas. É como se eu criasse um bichinho mesmo, um cachorrinho. Eu tenho dois filhos, eles amam mel no pão. Café da manhã, tem que ter mel. Eles também são dedicados a elas, da mesma maneira que eu sou, eles são. O meu filho vem e brinca com elas. Ele põe o braço e elas ficam todas no braço dele. Eles gostam muito das abelhinhas”.
Maria V. Cordovil, 49 anos (Curuçá – PA)
Na primeira fase das atividades, os agricultores aprendem as técnicas básicas sobre a criação de abelhas sem ferrão. A prioridade é envolver as mulheres, para reforçar a segurança alimentar das famílias, tanto a partir do próprio mel, como a partir da maior polinização da horta, do pomar e da roça, que passam a produzir mais.
Um passo a frente é ampliar o número de colmeias, para que haja produção suficiente ao consumo e venda de mel, assegurando renda complementar à família.
As abelhas sem ferrão se tornam paulatinamente poderosos instrumentos de educação ambiental. Ao iniciar a atividade, os pequenos produtores ficam mais atentos aos riscos das queimadas, contrariando a tradição de limpar terrenos com fogo; evitam o desmatamento; a poluição de águas; e cuidam melhor do lixo. São serviços ambientais e ecossistêmicos agregados à meliponicultura.
Nesses dez anos, o Instituto Peabiru trabalhou com uma metodologia simplificada do manejo das abelhas, apropriada para a região amazônica. As colmeias são dispostas em caixas de madeira, criadas pelo pesquisador Fernando Oliveira (2000), e oferecem arquitetura adequada para o manejo, a reprodução controlada e a produção e a coleta de mel.
Em geral, os materiais para a confecção das caixas para colmeias são facilmente encontrados localmente e têm um baixo custo, o que permite a ampliação das colmeias ao longo dos anos. Fernando Oliveira é um dos principais estudiosos das abelhas sem ferrão no Brasil. Atual consultor do Néctar da Amazônia, ele inspirou o surgimento do programa, em 2006. Em uma década de investimentos na meliponicultura, o Instituto Peabiru já contou com diversos colaboradores especialistas.
Supermelgueirda Fernando Oliveira (também conhecida como Melgueira X).
Mel da Pedreira, Macapá (AP). Fevereiro de 2016.
Escala produtiva: ampliação dos benefícios sociais e ambientais
Desde 2014, com o apoio do Fundo Amazônia (BNDES), essa cadeia de valor se ampliou e se fortaleceu nos territórios de atuação do Instituto Peabiru.
Saiba mais sobre as ações apoiadas pelo Fundo Amazônia.
O aumento do conhecimento sobre a meliponicultura, a expansão dos aprendizados nas comunidades e os primeiros resultados comerciais vem atraindo mais criadores. Além do mel, o mercado também se interessa em adquirir caixas de abelha com colmeias para prover o serviço ambiental da polinização e propiciar o aumento de produção de diversas culturas agrícolas comerciais.
“Deu mais facilidade pro trabalho, principalmente das caixas como eram antes pra hoje. A gente dominou, sabe trabalhar com elas agora, sabe transferir do tronco para uma caixa, sabe fazer a alimentação, montar o meliponário, deixar o meliponário todo adequado para receber as colônias que venham surgindo cada vez mais da reprodução das abelhas”.
Evandro Karipuna, 42, Aldeia Açaizal (Oiapoque, AP)
Indígenas da Aldeia Açaizal (Oiapoque, AP) realizam reprodução controlada das matrizes.
Abril de 2016
Diferentes pesquisas com diversas culturas agrícolas apontam para o aumento de 30% a 50% da produtividade onde é feito o manejo das abelhas sem ferrão. Na Amazônia, culturas como açaí, cupuaçu, castanha-do-pará e maracujá dependem diretamente de polinizadores como as melíponas. Quanto mais uma palmeira de açaí é polinizada, por exemplo, mais produz cachos cheios de frutos, de melhor tamanho e sabor, e maior durabilidade.
Hoje, quem deseja iniciar-se na atividade já encontra colmeias legalizadas para comprar e o apoio técnico necessário para produzir. Além disto, com a formação e o fortalecimento da cadeia de valor, o produto alcança o mercado com processamento correto e seguro.
O trabalho realizado pelo Instituto Peabiru no projeto Néctar da Amazônia, financiado pelo Fundo Amazônia, do BNDES, foi fundamental para atingir esses resultados.
Legalização e autorização de manejo
As melíponas, abelhas sem ferrão, são animais silvestres da fauna brasileira, assim como a onça pintada, tartarugas marinhas e outros. Essas abelhas precisam de autorização de manejo liberado pelo IBAMA para serem criadas, transportadas e os produtos da meliponicultura comercializados.
Produtores que possuem mais de 49 caixas de abelhas precisam do Cadastro Técnico Federal (CTF) e a Autorização de Manejo (AM) com inclusão no Sistema de Gestão de Fauna (Sisfauna).
Técnico Cleiton Santos em Meliponário da abelha silvestre Uruçú Amarela (Melipona flavolineata), Curuçá, PA. Nov. 2015. Foto: Rafael Araújo
A principal dificuldade das comunidades tradicionais que criam as abelhas sem ferrão é que o Sisfauna não contempla ainda as especificidades das abelhas. Há diversas exigências de monitoramento de indivíduos, rastreabilidade e informação da origem de cada animal, o que não é compatível com espécies de insetos sociais, como as abelhas.
Outra questão fundamental é que a maioria dos agricultores é de baixa renda, está isolados, e cadastros como o do sistema de gestão de fauna exigem acesso a computadores e escritórios locais de órgãos públicos habilitados, o que não é parte da realidade destas pessoas.
O Instituto Peabiru fez uma campanha pela autorização de manejo simplificado da meliponicultura para comunidades tradicionais da Amazônia junto às secretarias de meio ambiente do Pará e do Amapá. Estabelecer ritos simplificados e céleres no Sisfauna, sem custos para os pequenos produtores, foi a principal reinvindicação do movimento, que alcançou importantes vitórias.
Um dos grandes resultados deste trabalho é que todos os meliponários dos produtores do projeto Néctar da Amazônia, do Instituto Peabiru, possuem Autorização de Manejo (AM).
Umas das conquistas mais relevantes foi a isenção pelas SEMAS-PA de taxa de autorização e dispensa de apresentação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), uma vez que a regularização fundiária não chegou a muitos desses territórios; com isso, os produtores da agricultura familiar e de comunidades tradicionais podem trabalhar legalizados.
Outro grande resultado deste trabalho é que todos os meliponários, com mais de 49 caixas, dos produtores do projeto Néctar da Amazônia, do Instituto Peabiru, possuem Autorização de Manejo (AM). A legalização permite o registro do produto (mel e derivados) no Serviço de Inspeção Federal (SIF) e garante a comercialização certificada da produção. Trata-se de algo inédito na região, raro no Brasil, e que abre caminho para milhares de produtores que estão na informalidade na Amazônia e no Brasil.
O Instituto Peabiru trabalha hoje em cooperação com a Embrapa Amazônia Oriental para subsidiar um projeto de lei estadual, em processo de discussão na Assembleia Legislativa do Pará, que visa a criação de normas simplificadas para a autorização da produção de mel de abelhas sem ferrão, a exemplo do que já ocorre nos estados do Rio Grande do Sul e da Bahia.
O Instituto Peabiru defende que cada estado tenha autonomia para criar um sistema próprio de autorização de manejo, utilizando o Sisfauna e desenvolvendo um método simplificado de regularização da meliponicultura, em função das características de cada região.
Mel raro e de alto valor comercial
A cadeia de produção do mel de abelhas sem ferrão na Amazônia depende do acesso facilitado aos insumos para essa criação, como as caixas adequadas de madeira, as colmeias para a reprodução, a assistência técnica, entre outros. A ampliação de produtores e a legalização da atividade permitiram maior oferta desses elementos essenciais para a produção.
Esse avanço é resultado de todo o trabalho desenvolvido pelo Instituto Peabiru, nos últimos três anos, com o financiamento do Fundo Amazônia (BNDES). Os desafios agora relacionam-se à comercialização.
Com a legalização, o aumento do número de colmeias e da produção, será possível beneficiar o mel e receber selos de inspeção municipal, estadual e federal, colocando o produto no mercado.
Ainda não há uma cadeia totalmente estruturada, porque falta fechar um fluxo regular de comercialização, o que deve ocorrer brevemente. O mel de abelhas sem ferrão sempre foi comercializado de modo informal, é a primeira vez no Brasil que a cadeia de valor é plenamente legalizada.
Com a legalização, a ampliação da produção e o beneficiamento do mel em locais apropriados a receber os selos de inspeção (seja municipal, estadual e federal), o produto pode chegar ao mercado com segurança e qualidade.
Verificação da produção de Melipona flavolineata. Mel da Pedreira, Macapá (AP).
Fevereiro de 2016.
Dentro das ações apoiadas pelo Fundo Amazônia (BNDES), o beneficiamento será realizado em associação com uma fábrica de mel que já possui toda a infraestrutura e legalização. O envasamento e a rotulagem seguem todas as exigências federais para a comercialização de um produto agroalimentar.
A raridade do produto está ligada a sua pequena produção. Cada colmeia produz em média um a dois quilos de mel por ano. Note que nas abelhas Apis, conhecidas como europeias, a produção é de dez, vinte quilos ou mais por colmeia.
Na Amazônia, a safra do mel é no segundo semestre, em seu período mais quente e seco, e dura cerca de dois meses. Neste ano de 2017, a previsão é de que nas comunidades de Monte Alegre, no Baixo Amazonas do Pará, a safra seja entre meia e uma tonelada de mel.
O quilo de mel de abelhas sem ferrão vai custar em torno de R$ 100, fracionado em garrafas de 150 gramas.
Ainda é insignificante se comparado aos números da apicultura no país. Segundo o pesquisador Fernando Oliveira, existem menos de 50 mil colmeias de abelhas sem ferrão manejadas no Brasil, e a maioria tem apenas algumas poucas caixas, porém esse mel tem um valor comercial cada vez maior.
Além de ser raro, pela pequena produção, tem características diferentes, por ser mais aquoso e ter menos açúcar, o que resulta em um produto menos doce e com muitas variedades de sabores. Um ingrediente que ganha status de iguaria gourmet e atrai grandes chefs da gastronomia brasileira.
É um mel da sociobiodiversidade da Amazônia, ao oferecer renda complementar a comunidades tradicionais de baixa renda, que possuem poucas oportunidades de venda de produtos locais. O quilo de mel de abelhas sem ferrão vai custar em torno de R$ 100,00 fracionados em garrafas de 150 gramas.
Polinização e restauração ambiental
As abelhas são operárias da polinização, trabalham em uma organização social eficiente. Produzem mel, própolis, cera e outros derivados, além de mais colmeias de abelhas para o povoamento da região. Quanto mais abelhas, mais polinização, mais mel, mais frutos e mais disponibilidade de sementes para a recuperação de áreas degradadas ou simples manutenção das áreas naturais onde coletam pólen.
Super polinização em flor de goiabeira, no porto da Aldeia Manga, Oiapoque (AP).
Abril de 2017
As abelhas são parceiras do agricultor na produção de alimentos. Cada criador de abelhas sem ferrão também é um operário dessa cadeia de polinização e vida. Ser humano e abelhas trabalham em cooperação. O pequeno produtor destas abelhas não precisa usar roupas especiais para se proteger da abelha, uma vez que ela não tem ferrão; e a abelha não precisa temer o produtor, pois ele contribui para proteger e auxiliar a reprodução da espécie.
Uma atividade simples, com investimento baixo e que traz resultados positivos que contribuem para o bem-estar social das famílias envolvidas e recupera a floresta e ambientes naturais.
Uma única colmeia de abelhas garante a polinização de dezenas de hectares de área ao redor. O Instituto Peabiru calcula que as 5 mil colmeias do projeto Néctar da Amazônia contribuam para a melhor polinização e a conservação de 17 mil hectares de matas e ambientes naturais.
Se há mel é porque houve polinização. Se houve polinização é porque a floresta continua de pé, saudável e florescendo. Em cada colher de mel de abelhas sem ferrão da Amazônia há uma floresta viva.
Esse animalzinho dócil, sem ferrão, desempenha um trabalho gigantesco e silencioso para a manutenção da biodiversidade da Amazônia. Elas carregam e espalham o pólen, essencial para a manutenção e a restauração da mata e dos ambientes naturais. São aliadas no combate às mudanças climáticas.
“É um projeto que veio trazer grande mudança pra comunidade, no sentido de que na questão de proteção ambiental, aumentou muito a consciência de cada morador com relação à natureza”.
Eliseu Souza, 37 anos, do Quilombo Mel de Pedreira (Macapá, AP)
A produção de mel de abelhas sem ferrão significa geração de renda a partir da floresta em pé. A presença da atividade nas comunidades desestimula as queimadas recorrentes e o desmatamento, afinal, a abelha precisa de ambientes naturais em bom estado de conservação para coletar o pólen. Isto tem impacto planetário direto, pois contribui à redução das emissões de gases que provocam o efeito estufa, ou seja, as mudanças climáticas.
Se há mel é porque houve polinização. Se houve polinização é porque a floresta continua de pé, saudável e florescendo. Em cada colher de mel de abelhas sem ferrão da Amazônia há uma floresta viva.
Abelhas e o futuro das novas gerações
“Mãe, vamos guarda uma caixinha de abelhas pra minha irmãzinha, quando ela nascer”, disse uma menina de quatro anos, para a sua mãe grávida em um meliponário de Curuçá, no Pará. A fala dessa criança resume com muita simplicidade e força a importância do cuidado que se deve ter em relação a esses polinizadores especiais que são as abelhas sem ferrão da Amazônia. As abelhas garantem a floresta em pé para as próximas gerações.
Abelhas sem ferrão para 1 milhão de quintais de famílias rurais da Amazônia
Todo quintal da agricultura familiar na Amazônia possui pequenos animais de estimação e criação para subsistência, troca e alguma venda, como galinhas, porcos, etc. O grande desafio do projeto Néctar da Amazônia é que as abelhas sem ferrão se tornem parte da rotina como animais domésticos de agricultores familiares e de comunidades tradicionais.
O Instituto Peabiru estima que exista mais de 1 milhão de famílias rurais em situação de exclusão na Amazônia. Se as abelhas sem ferrão chegam a estes pomares, amplia-se a segurança alimentar dessas populações, aumenta-se as oportunidades de renda complementar e da produção de frutas e outros produtos a partir da polinização das abelhas. Além disso, fortalece-se o conceito da floresta em pé e das culturas tradicionais para seu manejo.
O antigo meliponário da família do Sr Everaldo, beneficiário, foi consolidado segundo as referências do projeto Néctar. São Pedro, Curuçá, PA. Out/ 2015.
A meliponicultura tem ainda um alto impacto na conservação da biodiversidade e na manutenção e restauração das florestas e ambientes naturais da ameaçada Amazônia, a maior floresta tropical do planeta.
“Quando a gente tem um trabalho desses, toda a comunidade vai lá, porque ela acredita no projeto como patrimônio, como futuro patrimônio da comunidade. O mel vai servir pra muita coisa, pra vender, pra até exportar se for o caso e, principalmente, pra comunidade, pra alimentar o povo da comunidade. Porque nós estamos trabalho para o povo ter futuramente o que se alimentar”
Damasceno Karipuna, 43 anos, da Aldeia do Açaizal (Oiapoque, AP)
No contexto amazônico, a renda complementar da produção vai para o bolso das mulheres, mais envolvidas na atividade. A venda local do mel de abelhas sem ferrão pode significar um aumento de 20% da renda mensal per capta de famílias pobres da Amazônia rural. Nas mãos dessas mulheres, esse recursos têm alto impacto positivo, são destinados à maior segurança alimentar e melhorias da qualidade de vida da família.
A meliponicultura se transforma em uma profissão rentável, uma vez que além do mel, as produtoras podem comercializar colmeias e oferecer assistência técnica a seus vizinhos. A família toda se envolve, especialmente os jovens, o que os prepara para novas atividades que podem até mesmo desestimular a migração forçada do campo para os centro urbanos.
“A gente tem que fazer a manutenção, cuidar delas, não é difícil. E aí elas é que trabalham pra gente. Vão trabalhar no campo pra produzir mel”.
Maria D. Santos, 55 anos (Curuçá – PA)
As abelhas sem ferrão e o açaí marajoara
Os resultados do projeto Néctar da Amazônia, do Instituto Peabiru, apoiado pelo Fundo Amazônia (BNDES), também atraíram outros financiadores e permitiram a ampliação dos territórios e fortalecimento da cadeia de valor do mel de abelhas sem ferrão. Este é o caso da implantação da meliponicultura nos açaizais de Curralinho, na Ilha do Marajó (Pará), em parceria com a Cooperativa Sementes do Marajó e apoio da Fundação Banco do Brasil.
O açaí é hoje a principal atividade econômica de famílias de agricultores tradicionais marajoaras, do Baixo Tocantins, do Amapá e outras regiões da Amazônia. A atividade envolve mais de 150 mil coletores, o que garante qualidade de vida para meio milhão de pessoas. Somente no estado do Pará, a cadeia de valor do açaí movimenta cerca de R$ 4 bilhões todos os anos.
O que até agora poucos se deram conta é que a polinização do açaizeiro é feita, principalmente, por diferentes espécies de abelhas sem ferrão. Ainda não se conhece o verdadeiro impacto da introdução da meliponicultura em açaizais nativos manejados e este é uma das linhas de estudos que o Instituto Peabiru com a Embrapa Amazônia Oriental se preocupam em realizar.
O investimento do Fundo Amazônia (BNDES) tornou possível o envolvimento de outros financiadores, ampliando os resultados além do esperado.
A instalação do meliponário matriz em um açaizal no Rio Canaticu, em Curralinho é uma ação para apoiar o aumento da produção e melhorar o valor recebido pelos coletores. As primeiras 25 caixas já foram instaladas.
O trabalho foi simplificado devido ao fácil acesso aos insumos necessários para iniciar a atividade fornecidos pelas comunidades envolvidas no programa Néctar da Amazônia.
As comunidades de Almerim, no Baixo Amazonas, enviaram as caixas de madeira, as matrizes (colmeias) de abelhas vieram das comunidades de Monte Alegre, também no Baixo Amazonas, e a assistência técnica foi realizada por técnico oriundo do Nordeste Paraense, de Curuçá.
A expectativa é que, em um ano, essas 25 caixas se transformem em cerca de 100 caixas. O meliponário da Cooperativa Sementes do Marajó terá capacidade total para 500 caixas de abelhas sem ferrão. Futuramente, os estudos científicos apresentarão o impacto da polinização destas abelhas nos açaizeiros do entorno. Nossa crença é que a atividade do açaí, assim como a do cacau e de muitas frutas será realizada em forte parceria com a criação de diferentes espécies de abelhas sem ferrão.
Próximos passos
Para o Instituto Peabiru é muito importante reunir os produtores que já se dedicam à atividade, mas estão isolados. Mesmo sem volume para comercialização legalizada e de alto valor, a união desse produtores pode gerar trocas de experiências, avanços e fortalecimento da cadeia produtiva.
Assim, o Peabiru espera alcançar novos produtores do Nordeste Paraense, na região do Salgado Paraense, da Baixada Maranhense, no Maranhão, e no Amazonas, entre outros. As experiências e aprendizados do Instituto Peabiru em projetos de meliponicultura também vem despertando o interesse de iniciativas em países vizinhos, como o Suriname.
Mais informações sobre o Projeto Néctar da Amazônia.
Lançamento pelo Peabiru do Primeiro Mel de Abelhas sem ferrão legalizado no Brasil.
Check out the institutional video of The Amazon Nectar Project.